Aviso aos navegantes

Tal como o Silva Nunes comunicou na onda “MUDANÇA DE BLOGUES”, foi criado um novo blogue, o “Água aberta … no OCeano II” cujo endereço é: http://blogueoc.blogspot.com/.

Este velho “Água aberta … no OCeano” congelou. Será mantido apenas como “arquivo”.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Ao meu curso , um bravo curso


A primeira noite na Escola Naval foi uma longa noite , passada nos escombros de um navio que outrora havia sido um dos maiores estandartes da nossa Armada.
Foi uma noite de insónia permanente e tosse nervosa , cheia de chilreares passareantes de ratos excitados , de calores de corpos suados , de saudade do quarto limpo da casa afastada e , sobretudo , uma noite comunitária com estranhos. No fundo , naqueles beliches soltos de um porão que nada dizia , estavam estupidamente deitados dezenas de adolescentes que nunca se conheceram e que tinham obrigação , doravante , de trilhar uma única e solidária esteira.
Os mais velhos , os Senhores Guarda-Marinhas ,vigiavam-nos . entre troça e mando , com um sarcasmo estudado e uma ameaça velada , que nos faziam estremecer , tanto no corpo como no espírito. E isto provocava nos "marinheiros " batidos da reduzida e decrépita guarnição de puta velha e abandonada que já era essa grande Nau de outrora , um abafamento em vinho traduzido em gargalhada , ao verem e ouvirem e gozarem aquela educação forçada dos "mancebos" acabados de chegar.
Foi uma longa noite , uma noite sinistra.
Um ano depois , parte de nós , por uma estranha brincadeira que agora e sempre se vê o que custou , tropeçou no caminho , não passando um obstáculo que tão simples afinal era e que carimbou a nossa farda , o nosso destino , a nossa vida.
E nova noite se repetiu , claro está , mas esta com ar veterano contemporizador que , na praxe , goza o seu direito e a sua imunidade. A absorção dos "velhos" pelos "novos" foi paradoxalmente simples , rápida e amiga, fazendo com que a união dos desconhecidos se fosse fermentando , até se esquecer que houve uma primeira noite.
E a praxe , essa coisa inquisitória tão injuriada e combatida , foi o que largamente contribuiu para a nossa formação e muito nos ajudou a enfrentar situações que posteriormrnte se nos depararam na dificil vida que a Marinha , com tão poucos meios de ensino e prática , tal era a pressa de fazer oficiais , nos não conseguia prevenir.
O nosso patrono , Oliveira e Carmo , heroi de uma India perdida que precisava de herois , deixou nas águas do Oriente o seu corpo , partido em dois , e o seu navio sepultado no mar, sem uma cruz , um monumento , uma rua , um beco de galé.

E lá se terminou um curso , se enjoou numa inesquecível viagem , se jogou mil bricadeiras , se cimentou grande amizade. Saímos da Escola com uma Espada , novinha em folha de Pátria , exemplar encadernado de "Os Lusíadas" com dedicatória de Ministro e o tal carimbo na testa da classificação no curso que nos vai acompanhar , grilheta insaudável , por toda a vida.
A partir daí foi o dispersar da banana seguindo uma carreira de mil misteres em trilho vário que todos tivemos de vencer, sem nos preocupar ou não se qualquer preocupação teria havido em colocar no A quem nasceu para lá , ou no H quem nasceu para cá..Mas as nuvens negras que , porventura, ensombraram a gloriosa União e amizade de Irmão que deveríamos de manter , não conseguiram ser suficientes para perturbar o navegar tranquilo neste mar leal , e não aparecem sequer , por tão insignificantes , registadas na carta do tempo.

Houve quem , prematuramente , deixasse o botão de âncora (porque a farda , a verdadeira , nunca nos deixa) , para segtuir outras chamas e se orientar por outras estrelas , enquanto outros , a maioria , continuaram a trilhar esse Mar e a enfrentar a tempestade ,tanto nos dias de herois inesquecíveis , como depois e hoje , no de palhaços dispensáveis.

Singraram assim no nosso curso , com Oliveira e Carmo olhando pela estrela do oriente , Almirantes , distintissimos outros Oficiais , empresários , brilhantes tecnicos , herois de guerra altamente condecorados , mas sobretudo grandes Homens , Homens de sol e mar de dia bom, com palavra , com estima , com franqueza , com carinho. Homens bons , que nunca fizeram mal a ninguém e que só queriam e julgavam estar a ser , marinheiros.

Somos firmes e já mostramos que podemos ser capazes de nos unir , em força mas com inteligência , como o fizemos no escandalo das promoções por diuturnidade em 1969 e nas célebres duas entrevistas com o saudoso Ministro e grande Marinheiro , Pereira Crespo ,em 1972, na dádiva do dia de trabalho para a reforma agrária em 1975 , para conseguir ideais límpidos e generosos , mesmo em tempos em que se não viam por aí tantos democratas e homens de esquerda de "sempre".
Mas sempre fomos ingénuos . E acabamos por sofrer . tão injustamente , o ferrete dessa ingenuidade.
Resta recordar , fazer um livro , com um prefácio a contar , na exaustão , quem foi o nosso Patrono , a recordar os nossos professores , ano por ano , cadeira por cadeira , Homem por Homem, os nossos Amigos e Companheiros que abandoram a Escola , os que se juntaram a nós , as nossas carreiras , um por um , com tudo lá dentro.
Vamos fazer?
Merecemos isso.

PS: Parte deste texto já o tinha escrito muitos anos antes e proposto para publicação na Revista da Armada. O nosso saudoso e bom Amigo Com. Malheiro do Vale censurou-o , após imensas hesitações. Mas creio que ficou sempre com algum remorso.
Acabei por o publicar , creio que nos nossos 25 anos , mas já não sei onde.
Este é por hoje . Pelos nossos 41 anos de saída da Escola naval

Comentários:

Em janeiro 12, 2007 8:48 da manhã, Blogger Jorge Beirão Reis escreveu...

Bravo, Manel! Chorei, comovido, digo-o sem vergonha. Uma observação apenas por aqueles que, ao longo destes anos,nos foram deixando mas que permanecem na nossa memória.
Muito obrigado por este texto magnífico!.
Um abraço,

 
Em janeiro 12, 2007 10:00 da manhã, Blogger 403 d'62 escreveu...

Tenho a certeza que todos nós subscrevemos o comentário do Jorge Beirão Reis

 
Em janeiro 12, 2007 4:22 da tarde, Blogger Temes escreveu...

Bom começo do livro que há muito se pensa em elaborar. Claro que escrito pelo MPM não é de espantar pois já há muito que nos habituou a boa e sensível escrita!
Temes

 
Em janeiro 12, 2007 4:23 da tarde, Blogger Bastos Moreira escreveu...

...também me comovi! E pensava que eu era um escritor !

 
Em janeiro 12, 2007 7:12 da tarde, Blogger Ferreira da Silva escreveu...

Boa Manel ... vamso a isto!

 

Novo comentário

<< Voltar ao OCeano...