DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO. PORQUE VOTO SIM NO REFERENDO
Com o objectivo de iniciar uma discussão que reputo de salutar, aqui vai uma primeira Declaração de Princípios: Sou cristão, católico e muito pecador (receio não poder vir a qualificar-me para a final!) Começo por lembrar o caso do imposto do imperador (Evangelho segundo S. Mateus, 22.21), no qual Jesus, questionado pelos fariseus se era permitido ou não pagar o imposto a César, respondeu: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”! Considero ser esta afirmação a primeira declaração de princípios relativamente à separação entre a Igreja e o Estado. Considero também que a hierarquia da Igreja Católica há já muito tempo (provavelmente desde que Constantino se converteu ao Cristianismo) deixou de considerar obrigatória tal separação, tendo vivido desde então numa aberrante promiscuidade com os poderes terrenos ou, o que é pior, exercendo-os directamente. Fiquei com a impressão que, há já algum tempo, o Cardeal Patriarca de Lisboa teria afirmado, numa clara e saudável perspectiva de que a actividade religiosa da Igreja Católica Portuguesa é completamente separada a actividade política do Estado Português, teria afirmado que a Igreja não iria tomar qualquer posição relativamente ao processo de referendo. Devo ter ouvido ou lido ou interpretado mal pois que, mais recentemente, a Comissão Episcopal Portuguesa terá tomado uma clara posição, opondo-se à aprovação do referendo. Tenho perfeita consciência que a realização de um aborto está contra o 5º Mandamento do Decálogo – “Não matarás” (Êxodo, 20). Assim a mãe, o pai, o médico ou qualquer outro interveniente no aborto estarão, eventualmente, sujeitos à condenação divina (lembremo-nos que Deus é infinitamente misericordioso). Adicionalmente, o sofrimento por que os pais, crentes, devem passar pelo crime cometido não será de somenos importância. Perante a gravidade do que está em jogo, não me parece que seja razoável que terceiros, que nada têm a ver com este assunto, venham acrescentar mais sofrimento aos pais, penalizando adicionalmente (suponho que apenas a mãe?) por tal crime. Considero pertinente chamar à colação o caso da mulher adúltera (Evangelho segundo S. João, 8.7), no qual Jesus, questionado pelos escribas e fariseus (sempre os mesmos!) que invocavam que Moisés mandava-os, na lei, que apedrejassem tais mulheres, afirmou: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra.” Finalmente, gostaria de chamar a atenção para aqueles que, não aceitando alterar a lei que impõe penas aos intervenientes na realização do aborto, pretendem não criminalizar os prevaricadores. Considero tal comportamento o cúmulo da hipocrisia, estando “bem com Deus e com o diabo”! Resumindo, considero que a realização de um aborto é um problema exclusivo dos pais e do médico que esteja disposto a realizá-lo e que eu, por conseguinte, nada tenho, como cidadão português no pleno uso dos meus direitos e deveres políticos, que me imiscuir no que não me diz respeito. Tenho dito! Espero reacções! Um abraço, |
Comentários:
Disseste o que eu penso . Voto SIM
Excelente resumo de razões de um dos lados da discussão. Confesso que é dos, se não o, mais claros e lúcidos que tenho lido.
Deste lado da barricada, foi a primeira vez que vi alguém com a clareza e lucidez já atrás referidas, ultrapassar a hipocrisia de querer estar bem com Deus e com o diabo.
Meu caro JBR, se o escrito não estivesse assinado, não seria difícil adivinhar donde teria vindo, ou, dito de outra maneira, a coragem moral, a frontalidade, a inteligência e o estilo cartesiano com que está escrito não constituem surpresa,antes são imagem de marca do seu autor.
As minhas felicitações por esta onda de respeito.
Para manter viva esta proposta do Jorge e o seu magnífico comentário , irei tentar dar umas notas em conta gotas:
Nota 1- Já aqui disse o que pensava da denominação posta a este problema.IVG (interrupção voluntária da gravidez).Isto não foi assim por acaso e quem o fez sabia muito bem o que fazia
Nota 2-Transformar o dom da vida numa luta política , numa bipolarização social , é ignóbil. E quem o fez não foi por acaso, sabia muito bem o que fazia.
Nota 3-Há gente que defende o SIM , com a mesma convicção com que defendia as depurações para a Sibéria ou o esmagamento de Praga ou a ida dos "reacionários" para o Campo Pequeno , assim como outra há que fundamentaliza o NÃO , quando em nova fez um aborto , mandou a filha fazer em Espanha ou o marido deixa gente a morrer de fome e de dor no desemprego , ou trata a mulher como escrava.
É o que dá a hipocrisia , transformando a consciência em protagonismo
Fim por hoje
Concordo cem por cento com o Manel. Neste país parece-me haver causas muito mais importantes do que esta...que, embora seja bastante séria, também pode ser uma "diversão" dos reais problemas que atravessamos. Não esqueçamos que a organização de um referendo custa bastante dinheiro ao erário público.
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