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Tal como o Silva Nunes comunicou na onda “MUDANÇA DE BLOGUES”, foi criado um novo blogue, o “Água aberta … no OCeano II” cujo endereço é: http://blogueoc.blogspot.com/.

Este velho “Água aberta … no OCeano” congelou. Será mantido apenas como “arquivo”.

terça-feira, outubro 17, 2006

OS SAPATOS CASTANHOS

Em 1960, instigado pelo Brito Subtil e o Xico Rosado e por um sonho de azul, decidi ser Oficial de Marinha.

Nada sabia de mar, escutando António Nobre nas rochas da praia da Boa Nova, excepto os maravilhosos desenhos de navios do Subtil e de ter visto, e invejado, valha a verdade, o António Brito e Cunha fardado de azul, com imensos dourados, rodeado de meninas num baile do “Club Portuense”.

Via e ouvia o Mar, na Póvoa, em Espinho e na Foz do Douro, alcançava a vista numa curiosa figura do Porto, o Tenente da brigada naval Gonçalo Guilhomil, fardado com mil condecorações (creio hoje que de beneficência), e tinha uma admiração, quase veneração, por um Almirante…… Nuno de Brion, de seu nome. Não sei porquê, pois nem imaginava o que o Senhor havia feito, mas recordava-o como “escort Officer” de Sua Majestade, a rainha Isabel, com toda a majestade da sua estatura, do seu porte, da sua elegância, da sua educação. Ele era, para mim, miúdo, a Marinha, ainda melhor, a Armada (e se o tivesse visto a entrar o Sado a alta velocidade num Destroyer, como houve quem visse, ainda certamente, mais valor lhe daria).

— Curiosamente, e muitos e muitos anos mais tarde, vim a ser bom Amigo de uma sua neta, a Isabel. Contei-lhe esta história, com os pontos acrescentados que uma história destas merece, e depois, um dia, e ainda mais anos passados, recebi de presente, ou de dádiva, o bicórneo e as dragonas do Senhor Almirante. Nunca com ele servi, só com ele entrei numa lenda, mas fiquei com o espólio da sua recordação na minha imagem.

Meu Pai fora Oficial do Exército, mas meteu-se nas cavalarias da Monarquia do Norte, servindo ainda de cueiros de Alferes saído da Escola de Guerra, com os Generais João de Almeida e Paiva Couceiro, e, depois de Chaves, foi ferido, preso, derrotado, exilado… e finalmente perdoado, mas não honrado, creio eu. Mereceu, desta galopada de ilusão e do exílio em Paris, somente o ter conhecido minha Mãe, que por aí vivia por opção, penso que cultural, da Senhora minha Avó.

Quando, nos jardins de nossa casa, lhe manifestei a minha intenção, não com muita convicção confesso, deparei-me com uma imensa alegria, um brilho nos seus olhos profundos que nunca antes vira e, arrematando, um engasgado… OBRIGADO. Rendido comuniquei a toda a gente.

Eu ia ser oficial de Marinha.

Só que em Junho, no Colégio Militar, enquanto os outros partiram alegremente para férias e preparavam a sua entrada nos vários destinos dos seus berços de vida, o meu professor de Ciências, que já me havia rogado pela pele anos atrás, finalmente resolveu chumbar-me. Não lhe guardei, nem guardo, qualquer rancor, excepto esquecer-lhe o nome, pois ele nunca imaginou que me iria fazer perder, ingloriamente, pelo menos um ano na minha carreira e, quiçá, modificar todo o meu futuro.

E modificou.

Seguiram para a Armada, e felizmente todos entraram, o Brito Subtil, o Manel Novais, o Xico Rosado, o Costa e Sousa, o Moreira Freire, o Jorge Soares (que Deus guarde), o Barbosa Alves e o Paulo Tavares da Silva. Anos depois, e não sei o porquê, entrou o Carrasco.

— Curiosamente, e muitos e muitos anos mais tarde, fardaram-se com o botão de âncora da Briosa, e para fazer o serviço militar, nessa excelente experiência e escola (tão mal aproveitada posteriormente pela Marinha) que foi a Reserva Naval, o Pedro Lynce, o Manel Abecasis, o Francisco Barreto Caldeira (que Deus lá tem), o Manel Caldeira Pinto, o Nuno Bello e o Júlio Malhou da Costa.

Eu tinha assim de vir à “feira da luz” em Outubro e os exames de admissão, ou pelo menos a entrega da candidatura, eram anteriores.

Pensei, e outras pessoas por mim, só que “nortenhas” e com pouca ou nenhuma influência em Lisboa (leia-se cunha), que o problema seria de simples resolução. Uma exposição-requerimento solicitando a condicionalidade da prestação de provas.

Parecia lógico, simples, legal.

Fiz um requerimento ao Ministro (Alm. Fernando Quintanilha de Mendonça Dias), que ainda mostrei a um tal Comandante Athaíde, do Instituto Hidrográfico, ali no Arsenal de Marinha na baixa ribeirinha, que alguém conhecia, num fim de tarde, com horas de espera e esperança.

— Curiosamente, e muitos e muitos anos antes, meu Avô havia tido, em Vila Real, sua terra e berço, uma querela política, com o Pai de sua Excelência o Ministro, disputa essa que até meteu volantes e pasquins, em escrita corrente, tendo sobressaído uma “catilinária” que o meu ilustre antecessor titulou de “Ao Quimcanalhas e Meia Onça”, fazendo, obviamente blague dura com o nome de seu opositor.

Um dia sou chamado ao 1º Ten. Alvarenga, do Gabinete Ministerial, que me apresenta o despacho de SEXA… indeferido. Assim mesmo, com letra pequena e tudo. Nem Athaíde nem nada. Só o “desanda gaiato, que isto não é para espertos”.

Afinal nada havia sido lógico, simples e legal.

Regressei ao Porto, no correio da noite, triste e humilhado, desistente.

Mas eu era muito novo, o penúltimo do ano (com o Basílio Horta, pois nascemos no mesmo dia, mês e ano), e perder um ano não seria certamente um drama.

Mas, se calhar foi, em termos de carreira, digo eu, ou de fado, diz a guitarra que trina e por vezes acerta.

Concorri a medicina e, felizmente, chumbei, na oral de botânica, convidado a terminar o interrogatório pelo Prof. Doutor, furioso com a minha resposta, completamente sincera, de que a função primária da flor era…… ornamentar.

— Curiosamente, e, desta vez nesse mesmo dia, meu Pai, um velho e fino trovador de bom perder, enviou-lhe a casa um magnifico ramo de impressionantes begónias, com um cavalheiresco cartão, confirmando o tão simpático papel ornamental, e tão apreciado, da flor.

Que interessava a resposta científica, se o que conta é a resposta da vida.

Assim quis Deus.

Fiz o “7º ano de letras”, no Colégio Almeida Garrett, onde aprendi coisas maravilhosas da nossa literatura, relembrei o latim que tive no Colégio Militar, essa língua de estímulo mental, como a matemática, e me preparei para poder seguir uma carreira nessa área, talvez direito. Mas não!!!!

Lembro-me que estava a fazer a oral de uma cadeira destas, já com o bilhete de avião no bolso para no Alfeite iniciar as provas de admissão à Naval. Era persistência, seria o fado?

Lá vim, já encontrando na mancebia alguns jovens do Colégio do ano posterior ao meu, e o “Finta” (Lobo de Oliveira), que Deus também tenha, de um curso anterior.

— Seu Pai, Carlos Lobo de Oliveira, excelente poeta, havia sido bom amigo e companheiro do meu.

Provinciano, embora com o desenrascado de um anterior internato e com a presumível protecção da malta do “Asilo” (como na Marinha, os menos dotados chamavam aos ex-alunos do Colégio), lá percorri o Hospital, a Escola, os campos de desporto, os psicotécnicos e fui conhecendo gente. Foram-se formando grupos, maiores e depois mais pequenos, até que se começa a conviver cá fora, em encontros primeiro antes da partida da “vedeta”, e depois nas tardes livres ou nas noites mais chegadas. São os primeiros Amigos. Recordo desse grupo, e só pecarei por omissão, o Zé Luis Cardoso, o João Aires Martins, o António Bettencourt, o Carvalho de Almeida, o Cancela, o Caroço, o Xico Duarte Lima… e que me perdoem os esquecidos.

Parávamos no Martinho, imitando Pessoa, comendo uma sandwich (era assim que se dizia) de presunto fino com manteiga, debaixo daquelas arcadas soberbas em maravilhosa luz de Outubro, ou na Gambrinus, pobres de canto de barra, pedindo modestamente uma assombrosa sandwich de paté com pickle, ou, já mais raro porque o dinheiro era pouco, no Leão de Ouro, numa pequena saladinha de lagosta com molho da casa.

De se chorar.

Até que um dia, ou melhor uma noite, aventurámo-nos no teatro, por enorme insistência minha, numa peça do Morgado no velho Monumental. Actuava, com aquela sua graça e voz próprias e permanente necessidade de não se parecer com o Pai, o Henrique Santana, desempenhando a personagem de Gustavo de Vaubricourt.

Vaubricourt, Bettencourt e, para quem nada tem que fazer a não ser passear por essa Lisboa linda de Outono, esperando nota de exame, foi “crismado”, e para sempre, o nosso bom António João Neves Bettencourt que passou a ser “O Gustavo”. E ainda é. E será.

Mas um dia lá veio em que nos anunciaram quem ficava e quem partia (o Temes concorreu connosco?) e no dia 7 de Outubro (digo eu) de 1961, subi a escadaria da Escola Naval, comandada por um sujeito que raramente vi (Comodoro Laurindo dos Santos), pois era o tempo em que os Almirantes, os verdadeiros, chegavam às 11 e partiam às 15, e muito bem.

Mas desta vez, quem meteu um requerimento igual ao que entreguei no passado ano, para fazer as provas condicionais, teve um Athaíde, e conseguiu, e bem, o lógico, o simples, o legal. Ou não teve Athaíde nenhum e, simplesmente, o Ministro reconsiderou, e achou que tinha sido injusto e repôs o que devia repor.

Não me pediu desculpa. Mas 45 anos depois, também não tem mal.

Subi as escadas que me fizeram a vida, me deram a forma de estar e a espada da verticalidade. Felizmente nunca as desci, pois pude ficar lá no alto, com os valores que aprendi.

Mal entrámos, vi imensos jovens, fardados com umas calças e blusão azuis, todos iguais, ou quase.

Invejei, nesse dia, os sapatos castanhos do Azevedo Soares. Nós já não chegámos a tempo de os usar.

Um abraço Amigos
Manuel Pinto Machado

Comentários:

Em outubro 17, 2006 9:12 da manhã, Blogger Jorge Beirão Reis escreveu...

Li e gostei muito,como sempre que te resolves a dar à pena, Manel.
Inveja, não tenho, por não possuir a tua veia.
Por favor continua.
Um grande abraço!

 
Em outubro 17, 2006 10:53 da manhã, Blogger 403 d'62 escreveu...

PARABÈNS !!!

 
Em outubro 17, 2006 12:08 da tarde, Blogger Bastos Moreira escreveu...

Ri e comoveu-me ao mesmo tempo. Recordar é Viver, já lá dizia o outro. Parabéns Manel.

 

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